sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Alcoólicas
Hilda Hilst

(I)
É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livor da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d’água, bebida. A vida é líquida.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Parafuso a mais ou a menos...

– Pedro, você almoçou na escola?
– Ah, papai, não almocei não. Tinha aquele macarrão que eu não gosto!
– Qual?
– Aquele de cabelo de Yanni...

Pandora

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Cantada, Elomar Figueira Melo

http://www.radio.uol.com.br/musica/elomar/cantada/194353?cmpid=clink-rad-ms


Então desperto e abro a janela
ânsias, amores e alucinações
Desperta, amada, que a luz da vela
Tá se apagando chamando você
Está chamando apenas para vê-la
morrer por teu viver.

Amada, acende um coração amante
que o som suave de uma aurora distante
estremeceu aqui no peito meu
Os galos cantam pra fazer que a aurora
Rompa com a noite e mande a lua embora
Os galos cantam, amada, o mais instante
O peito arfante cessa e eu vou me embora

Vem, namorada, que a madrugada
ficou mais roxa que dos olhos teus
as pálpebras cansadas
Amada, atende um coração em festa
que em minha alcova entra nesse instante
pela janela tudo que me resta
Uma lua nova e outra minguante

Ai, namorada, nesta madrugada
não haverá prantos nem lamentações
Os teus encantos vão virar meus cantos
voar pra os céus e ser constelações

Ai, namorada, nesta madrugada
incendiaram-se os olhos meus
Não sei porque você, um quase nada
do universo perdido nos céus,
apaga estrelas, luas e alvoradas
e enche de luz radiosa os olhos meus
Mulher formosa, nesta madrugada,
Somos apenas mistérios de Deus

terça-feira, 3 de agosto de 2010



Quero apenas
(Olga Savary)

Além de mim, quero apenas
essa tranquilidade de campos de flores
e este gesto impreciso
recompondo a infância.

Além de mim
– e entre mim e meu deserto –
quero apenas silêncio,
cúmplice absoluto do meu verso,
tecendo a teia do vestígio
com cuidado de aranha.