quarta-feira, 30 de março de 2011

Parece mas...

    Entramos em uma lojinha, Pedro, Yanni e eu. Logo três vendedoras se aproximaram e começaram, em jogral:
– Ahhhh... que linda... – moça 1.
– Que princesa... – moça 2.
– Como ela chama? – moça 3.
– Yanni – o Pedro respondeu, desconfiado.
– E esses cachinhos!!! – moça 2.
– Parece um anjinho – moça 3.
– É, parece mesmo – o Pedro resmungou. – Mas na verdade é um diabão!

domingo, 13 de março de 2011

El pimiento



En el centro de la pampa
vive un pimiento.
Sol y viento pá su vida,
sol y viento.

Coronado por la piedra
vive el pimiento.
Luna y viento lo vigilan,
luna y viento.

Cuando sus ramas florecen
es un incendio,
tanto rojo que derrama,
rojo entero.
Rojo entero.

Nadie lo ve trabajar
debajo'el suelo
cuando busca noche y día
su alimento.

Pimiento rojo del norte,
atacameño,
siento el canto de tus ramas
en el desierto.

Debes seguir floreciendo
como un incendio
porque el norte es todo tuyo,
todo entero.
Todo entero.

Victor Jara

sábado, 12 de março de 2011

IX

“Conta-se que havia na China uma mulher
belíssima que enlouquecia de amor todos
os homens. Mas certa vez caiu nas
profundezas de um lago e assustou os peixes.”

Tenho meditado e sofrido
Irmanada com esse corpo
E seu aquático jazigo

Pensando

Que se a mim não deram
Esplêndida beleza
Deram-me a garganta
Esplandecida: a palavra de ouro
A canção imantada
O sumarento gozo de cantar
Iluminada, ungida.

E te assustas do meu canto.
Tendo-me a mim
Preexistida e exata

Apenas tu, Dionísio, é que recusas
Ariana suspensa nas tuas águas.

Hilda Hilst. Júbilo, memória, noviciado da paixão.

quarta-feira, 9 de março de 2011

A consultora do ajudante n. 1

   O Pedroca adora guardar as compras no armário. Hoje, todo compenetrado arrumando sacos e latas, recorreu à consultoria da Nani:
   – Yanni, vem cá! Preciso da sua "openião".
   Lá vai a pequena serelepe, correndo na ponta do pé. Para ao lado dele.
   – Yanni, você acha que tá bom?
   – CHIMMM!!!
   – Mamãe, você viu?! Ela respondeu pra mim!
   – Eu vi! Como você conseguiu, Pedro?
   – Ah, é fácil. Quer ver? Nani, SIM!
   – CHIMMM!!!
   – NÃO!
   – NAUMMM!
   – Viu? Eu comando ela.

sexta-feira, 4 de março de 2011

O apanhador de desperdícios
Manuel de Barros

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que as dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor os meus silêncios.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Lembrança do mundo antigo


Clara passeava no jardim com as crianças.
O céu era verde sobre o gramado,
a água era dourada sob as pontes,
outros elementos eram azuis, róseos, alaranjados,
o guarda-civil sorria, passavam bicicletas,
a menina pisou a relva para pegar um pássaro,
o mundo inteiro, a Alemanha, a China, tudo era tranquilo em [redor de Clara.

As crianças olhavam para o céu: não era proibido.
A boca, o nariz, os olhos estavam abertos. Não havia perigo.
Os perigos que Clara temia eram a gripe, o calor, os insetos.
Clara tinha medo de perder o bonde das 11 horas,
esperava cartas que custavam a chegar,
nem sempre podia usar vestido novo. Mas passeava no jardim, [pela manhã!!!
Havia jardins, havia manhãs naquele tempo!!!
 Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo.