terça-feira, 11 de dezembro de 2012

João Cachoeira

    Na tarde dourada do sábado, pés arrastando calor, em direção à casa da querida amiga Rê, passamos pela rua João Cachoeira. Como as personagens de Graciliano Ramos, secos na tarde do sertão paulistano. O Pedroca logo se anima:
- Eba, mamãe! Tem cachoeira no fim dessa rua?!? (suor pingando pela testa)
- Ai, Pedro... Infelizmente não... Quem sabe um dia, muito tempo atrás, já teve uma por aqui? Eu não sei. Mas seria muito bom se tivesse, né?
- Já teve cachoeira em São Paulo?
- Já sim. Mas acabaram com todas...
- Nossa! Como conseguiram acabar com uma cachoeira?!?

 Fico feliz-triste, admirando... O olhar criança se volta ao mundo em sua atual configuração - pra gente tão banal, imutável, vazio de possibilidades outras - e se alumbra com suas brechas de poesia, se espanta com o canhão que não solta flores (como o Tistu de O menino do dedo verde) e delira com olhos, mãos, nariz, boca, ouvidos, inteiro, no brincar sério de criaginar um mundo novo.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Esconde-esconde

- Vamo brincar de esconde-esconde, Nani?
- Vamo!
- Então conta!
- De novo, Pebro? Toda vezes!
- Vai, Yanni!
- Tá bom, tá bom! 1, 3, 6, 4, 9, 15....

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Exercício de florescer

o barro chama a mão
ela quer seu úmido segredo
de calar e florescer

formas em silêncio
palavras plenas
terra, água e claro medo

raízes que sugam
sustentam
a flor que abre ao céu

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Não é brinquedo, não!

Papo domingueiro da Nani com o vovô enquanto ela preparava quitutes no seu superfogão cor-de-rosa:

- Que fogão lindo, Nani!
- É! Foi o Papai Noel que deu. Pra Nani.
- Que legal, né?
- É sim. E o que o Papai Noel deu pra você, vovô?
- Ah, ele me deu presentes muito lindos: o Pedro, a Yanni, o Bruno...
- Hããã... Mas a Nani não é brinquedo!

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Aventuras

Domingo de trabalho. Fico suspirando, mas pelo menos estou em casa, perto dos pequenos. Eles acabaram de tomar banho e o pai, louco para vê-los anjinhos, dormindo, propõe: 
- Agora vamos ficar quietinhos, assistindo um desenho.
Os dois se sentam, comportadíssimos. Mas é só o Maia sair que o Pedro, serelepe, dá um pulo da poltrona e:
- Nani, você quer mesmo ver desenho ou... VIVER UMA AVENTURA??!!
- Desenho. - monossilábica.
- Ah, Nani, tem certeza?! Eu acho que você quer viver uma AVENTURA!!! - cheio de lábia.
- Tá bom, Pepê. Aventura!
A Nani pula da poltrona e se vira pra mim, que devo estar com aquela cara de mãe coruja, babando as crias. Ela derrama um sorriso dengoso e pergunta:
- Vamo também, mamãe?
- Aaaiii, Nani, eu não posso...
- Por que, mamãe? Ahhh, você é pequena...

domingo, 22 de abril de 2012

Piladinha (?) - versão do Pedroca


Essa quem me contou foi o Pedroca:
- Mamãe, e ontem, a Nani tinha acabado de tomar banho. Aí, né, ela tava com aquela faquinha [de plástico], sabe? 
- Hã, hã... E aí?
- Aí ela veio pra mim correndo e gritando: - Tô piladinha! Tô piladinha!
- Hahaha, essa Nani! Ela adora ficar peladinha, né?
- Ah, mas ela nem tava pelada, mamãe. Ela já tinha colocado a roupa!!!
- Ué? Num intindi...
- Eu também não tinha entendido: ela tava era gritando "Tô pilatinha!". Por que tava achando que era pirata!!! É doida essa Nani.


sábado, 21 de abril de 2012

Melusina

Encontrei a expressão literária do meu amor pela água.


"Vindo ao lago, a Melusina 'rompia com todas as formas destino social. Enchia a taça do nada da natureza. Fazia-se imensa no suicídio. Mas quando, banhada até o fundo do coração, ela reencontrava o mundo e a sua sequidão, sentia como se fosse a água do lago. A água do lago se levanta. Ela caminha.'"

(Jacques Audiberti, Carnage. Em Bachelard, Poética do devaneio.)

quinta-feira, 5 de abril de 2012

   Fim da jornada como apertadora de vírgulas na Fábrica de Livros Didáticos. Saio à rua e, em meio ao trânsito da grande Sampa, abro com ânsia pulmões e olhos para o horizonte um pouco mais amplo. E que sorte linda: a LUA. Cheia, plena, dançando no céu. Senhora do mundo. Flor da Noite. Selene. Adoyá. Luz do canto de Sherazade. Senhora da palavra da vida, encantando a morte.
  E me ponho a devanear (mergulhada em Bachelard, em sua Poética do devaneio) sobre uma cena futura de um breve devir, espero. Pedroca, Nani, eu, Maia diante do mar, cabeça no colo da areia. Marcando o passar dos dias e das noites não apenas pela foice de Chronos (uma das muitas imagens do querido mestre Marcos Ferreira Santos que não me saem da imaginação), mas pelas marés, pelo mudar da lua, seu doce nascer-desabrindo-se à morte, pelo milagre dos peixes, pela migração dos pássaros.
   Que doce caminhada até a costumeira estação de trem me proporcionou esse futuro imaginado. Tenho lido muito vocês, Bachelard, Manoel de Barros, Hilda Hilst... Somos imbuídos de poesia e de sonhos. Só é possível viver num mundo imaginado, creio eu. Calderón de La Barca, tens razão: "Toda a vida é sonho / e os sonhos, sonhos são".
   Ah, linda Sophia de Mello, teu poema é para mim um canto doloroso, um canto de liberdade.

   Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
   Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
   Saber que existe o mar e as praias nuas,
   Montanhas sem nome e planícies mais vastas
   Que o mais vasto desejo,
   E eu estou em ti fechada e apenas vejo
   Os muros e as paredes, e não vejo
   Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.

   Saber que tomas em ti a minha vida
   E que arrastas pela sombra das paredes
   A minha alma que fora prometida
   Às ondas brancas e às florestas verdes.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Diversão

    11h40 da noite, consigo fechar meu tão amado, sofrido, suado projeto de mestrado. Quase um parto. Saio gritando: Acabeeeei!!! Uhuuuuu!!!!
   As crianças, espantando o sono das perninhas lépidas, vêm correndo solidárias pro abraço, pula-pulando:
– ÊÊÊÊÊÊÊÊ!!!! Ma-mãe!!! Ma-mãe!!!
  Me sentindo a própria vencedora da São Silvestre, os olhos e o coração prenhes de amor por aqueles três rebentos (dois que preenchem minha vida há alguns anos e o que acabou de nascer na tela), ganho um beijo estalado da Nani, que me olha toda amorosa e pergunta:
– Mamãe, você divertiu, né? 

sábado, 24 de março de 2012

                                           Gustav Klimt, O beijo. 1907-1908.

"O amor nunca termina de exprimir-se e se exprime tanto melhor quanto mais poeticamente é sonhado. Os devaneios de duas almas solitárias preparam a doçura de amar. [...] Mutilamos a realidade do amor quando a separamos de toda a sua irrealidade."
(Bachelard, Poética do devaneio, p. 8)

quinta-feira, 15 de março de 2012

Visão de veterano


O Pedro anda todo prosa por ter conquistado o cobiçado título de veterano. Está no 2º ano! No caminho de casa à escola, ele me intima:

– Mamãe, hoje você me liga à tarde? Posso ter alguma coisa muito legal pra te contar!
– Pedro, no meu trabalho não posso falar no telefone, nem com os colegas, não posso ir no banheiro nem tomar café.
– Aff, mamãe!!! Você tá no 1º ano?!

sábado, 3 de março de 2012

Crise criativa

– Pedro, eu coloquei no blog os toques da vida que você deu na Nani.
– Ah não, mamãe. Aquilo não teve a menor graça. Era uma conversa séria.
– Eu achei engraçado.
– Então só você!
– Nada disso. Contei pra Rê e pra Fafá e elas também riram.
– Mas eu não achei graça nenhuma. 

Silêncio de segundos.

– Também, tudo que eu falo você coloca no blog! Agora não tem mais nenhuma piada pra eu contar...
– Hahahaha, você acabou de falar uma, Pedoca. Vou colocar no blog. 
– Rrrrrrrrrr...

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Toques da vida

Conversa de sábio irmão mais velho com a pequena no caminho até o ponto de ônibus:


– Nani, vou te dar dois toques da vida.
– ... [Nani mergulhada em profunda meditação diante da boneca da superpoderosa]
– "Apresta" a atenção, Nani. O primeiro toque da vida: quando você é nenê, até 2 anos, você quer pei [mamar no peito]. Depois, você só toma no copinho.
– Não. [sem desviar os olhos da boneca]
– Segundo toque da vida. Nani, tá me ouvindo?
– ...
– Quando você é nenê, você usa fralda. Depois, com 2 anos, você começa a fazer cocô e xixi no penico. Aí, com uns 5 anos, você faz tudo na privada, que nem o Pepê aqui. Entendeu?
–  Nããããão!!!

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O sono das águas (Guimarães Rosa)

Há uma hora certa,
no meio da noite, uma hora morta,
em que a água dorme. Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d'água,
nos grotões fundos


E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir...


Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha
nas placas da folhagem
e adormece.
Até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes...


Mas nem todas dormem, nessa hora
de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda,
porque a água dos olhos
nunca tem sono...

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Post carnavalesco

–  Pedro! Você espalhou gliter pelo chão todo!
– Ah, papai, não reclama... A mamãe vai gostar: o chão tá brilhando!!!

sábado, 28 de janeiro de 2012

Noturna

Filigrana noturna esta canção do Guinga letrada pelo P C Pinheiro.

Tem a luz breve da dama da noite, brilho entrevado
que esvai feito orvalho
quando o sol espreguiça seus raios,
desfazendo as teias das sombras.

Linda, linda na voz profunda da Monica Salmaso. Gosto mais desta interpretação do que da Leila Pinheiro, que a tinha gravado há muito tempo.

Noturna
(Guinga/ Paulo Cesar Pinheiro

Bem amada
Noturna flor da estrada
Abre os portais da madrugada
Meu corpo
Minha alma
Estão à tua espera

Bem amada
Divina luz raiada
Acorda os sons da passarada
Que a natureza desespera
Porque a beleza é uma quimera
Junto a ti
E a primavera é nada

Fica comigo oh! santa imagem dos vitrais
Das belas catedrais do mar
Pois se chegares indo embora
Eu vou sofrer
Mas sei como fazer para o teu rastro achar
Pelo fulgor que tu desprendes na amplidão
Pelo perfume que tu deixas pelo chão
E com minh'alma me queimando de paixão
Te entregarei meu coração