terça-feira, 22 de junho de 2021

A esperança teimosa é a alegria, apesar dos pesares

 "Metade dos/das jovens hoje quer deixar o Brasil", afirma a manchete da FSP. O "país do futuro" tá deixando o futuro pra lá, enquanto lambe as botas de um passado militar, patriarcal, violento, assassino de sonhos? 

Não tem como, diante disso, não me lembrar de "Terra estrangeira", do Walter Salles e Daniela Thomas e da canção  "Vapor barato", do Jards Macalé, na voz da Gal. 


"Eu estou tão cansado, mas pra não dizer
Que eu não acredito mais em você
Com minhas calças vermelhas
Meu casaco de general cheio de anéis
Eu vou descendo por todas as ruas
Eu vou tomar aquele velho navio"

Anos 90, na minha adolescência/juventude, vi vários amigos e amigas tomarem "aquele velho navio". Uns foram pro Japão ser dekassegui, outros pra Europa, outros trabalhar pro tio Sam. Tomar o primeiro navio... Pra qualquer lugar onde se veja uma nesga de horizonte, um pouco de ar pra respirar e sonhar... Tão diferente de outros jovens, alguns anos depois, partindo cheios de expectativas em programas de extensão universitária, ciência sem fronteiras, cooperação internacional para alfabetização... 

Sem querer (querendo, como diria o Chaves) idealizar um passado próximo e cegar aos erros dos nossos governos de esquerda. Mas tínhamos - e temos - o direito de sonhar e realizar outros mundos. Esse direito humano, demasiado humano, a transcender o mero sobreviver ("a gente não quer só comida" - muito menos restos de podres poderes): é isso o que a necropolítica fascista quer matar, exterminar. 

"Sonhar não faz parte dos trinta direitos humanos que as Nações Unidas proclamaram no final de 1948. Mas, se não fosse por causa do direito de sonhar e pela água que dele jorra, a maior parte dos direitos morreria de sede", lembra Eduardo Galeano.

O sonho, a esperança, a alegria, esses motores da transformação, incomodam os opressores. Pode ser por simples teimosia, pela herança atávica de um bisavô anarquista, de uma bachan que não se conformou com o casamento forçado com um espancador e fugiu para o Brasil, de um pai comunista preso na ditadura militar, uma mãe zen-umbandista. De todos aqueles e aquelas que me precederam se negando, consciente ou inconscientemente, a seguir a estrada traçada pelos tratores e caminhões atropeladores de flores. Talvez em honra e homenagem a eles e elas, mas principalmente, em nome da minha alma, me nego a deixar que esse passado travestido de futuro distópico mate a alegria, ainda que miúda, de sonhar outras possibilidades. Essa alegria, miúda, cotidiana, presente nas brechas, segue florindo o asfalto. "É feia. Mas é uma flor", lembra Drummond, sempre presente.