sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Entre

Não tenho medo das minhas entranhas. Estranha entro nas frestas escuras onde se perdem agulhas. Elas fincam fundo sem a gente saber. Fundam espinhos no inconsciente da casa esperando um lampejo de sol para voltar à vida, ao destino a que foram forjadas. Laçar, atar, dar nós. Navegar o rio do tecido.
Não tenho medo das minhas entranhas. Mergulho nelas e nelas me perco, encantada pela estranheza de ser outros em mim.
Meu sangue é meu rio, mergulho nele, perco o senso, o rumo, a proa. Pra canoa me falta o remo, a bússola, a estrela guia. Espero o sol sangrar no poente e sigo demente.

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

À espera da primavera

Uma árvore seminua no asfalto abre as primeiras folhas verdes.
Entre os galhos magros pirilampam tiras de uma rabiola  perdida numa tarde de vento.
Ao seu lado, o poste seco erige uma lâmpada apagada na manhã nevoenta.

Esperando o ônibus partir, meus olhos cansados de sonhar pantanais e matas atlânticas veem beleza no casual casal que me inspira estas palavras de brisa.

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Canto aos mares íntimos
e aos mares nunca dantes
aqueles que cabem no peito
e os que extravasam em pranto


Canto aos seus marulhos
e ao silêncio que nos olhos planta
esse verde azul doído
galopando o horizonte em fuga


Mas com mãos de seda e névoa
uterino invade
deixando o sêmen de sal
no ventre do dia que nasce

Poema: Tamara Castro

Tela:Wladimir Kush
mira
miragem
impossível de captar
em uma só imagem

imagem só

é bobagem