Em pleno inferno plexo astral
me sinto
olho
entorno
à terceira margem
respiro rio
fundo
na busca do âmago
ultrapassar o ego
exige fôlego
a redondeza grave do chão
rolam e deslizam
pulam amarelinha
nos seixos molhados
à beira d'água
Pés lembram quedas
fraturas e torções
Topam com pedras
e descaminhos
Pés descobrem trilhas
sem mapa
Sonham reinos
insondáveis
Pés pedem solas andarilhas
a quem basta o pisar
singrando ventos
farejando rotas
ignotas nos calcanhares
Foto: Nádia Tobias Yanim
Lateja
aqui dentro
uma ausência: será
amor?
ou ânsia de ter
o mundo brotando
num pulso?
batem as folhas
da veneziana
vento de tempestade
gestado
no útero da calmaria
a boca voraz
deste verão antecipado
engole a primavera
queima a pele dos devaneios
pescados à sesta
exilado na estante de livros
o ciclame no vaso
derrama
suas pétalas em lágrimas
salvo do incêndio
à sombra se sonha
o que resta de cor
e delicadeza
De vez em quando a gente precisa:
Por que será que só sobra de vez em quando pro que é essencial?
Viagem é a caminhada sem fim predeterminado, sem objetivos definidos. É um pisar no chão em ritmo pessoal, aberto ao devaneio, ao sonhar acordado, livre da tirania do relógio, da cobrança de ser produtivo.
Jornada, do latim diurnus, é o "caminho que se pode percorrer em um dia", lembra a etimologia, memória das palavras. É o percurso produtivo, diurno, regido pelo Chronos e pela necessidade de prestar contas ao padrão e ao patrão.
Não à toa o discurso corporativo se incomoda com viagens, reais ou astrais. Elas não cabem ao/à homo/mulier produtivus, que deve vender sua força e tempo de vida para ter direito a consumir e pagar seus tributos e os devidos juros ao capital, como todo/a homem/mulher "de bem". De modo que ter tempo livre para simplesmente caminhar ao léu não é desejável nem respeitável. A escolha de palavras sempre revela uma intenção, consciente ou não.
lendas vindas
das terras lindas
de orientes findos
me façam feliz
feito a vida não faz
Paulo Leminski
Imagem: Yume (夢), Sonhos, de Akira Kurosawa
Escreve com o coração na ponta dos dedos. Quando o pulso tá calado, perdido nos labirintos deste corpo, o que você sente? Que palavra te ressoa?
O corpo fala, fala, corpo? Te habitam mil, oito mil seres. Infinitas presenças correm sanguíneas vindas de outras vidas e se apresentam neste corpo, neste tempo. Breve presente que se desembrulha em outras formas, origami.