terça-feira, 16 de março de 2021

Canto

 Em terra de cabinha tem uma fonte

d’água doce cantadeira

tramada em fios de ouro

veios de musgo

aguapés e ninfeias

cortejadas por pássaros e libélulas


Tem canto, conto

brincadeira

é gente indo e vindo

nessa terra

povoada de bem-viver


Em terra de cabinha tem a gente

de novo cabinha 

pé descalço, sola preta 

cabinha cabreira

brincante de terra

caçadora de águas secretas

pirata com seus mapas furados


Essa minha terra de cabinha

é sim, uma utopia

Um não lugar

Querência que se desenha

em compasso

na pisada do chão

no esfumado grafite da imaginação


Lugar sagrado que mora em mim

A terra sem males guarani

Fincada na linha cigana do horizonte

Lá onde se encaminha 

a minha caravana

levantando o pó da estrada


O ar se enche de cantos

com choro risonho de rabeca 

saias giram coloridas 

cães pulam e latem alegres


O coração palpita

Olhos e ouvidos alertas

Mãos e pés a postos

Eis o meu destino

terça-feira, 9 de março de 2021

Amaré...

 O que é me amar? É amar meu corpo. Verdade autêntica pra quem eu sou hoje. Aqui agora. Mas não foi essa a resposta que me dei durante muito e muito tempo. 

Me amar? O que é isso? Preciso do amor do outro. Preciso desesperadamente que me amem. E muito. Afinal, quem sou eu pra me amar? Pra me amar - ou pra ser amada - teria de ser assim assada num futuro próximo ou distante, ou num passado remoto e idílico. Nunca euzinha, eu mesma, aqui agora.

É fruto de uma trilha longa e árdua mas sim - reconheço hoje - linda poder dizer que começo a me amar, e isso passa por amar meu corpo. Não, nada a ver com esse amor narcisista corpo-barbie ou body builder - termo que aprendi faz pouco tempo com as crianças - eles adoram falar "boribilder" fazendo poses engraçadas e rindo muito. 

Amo meu corpo porque é nele que moram minhas muitas histórias. A poesia que nasce dos meus olhos e me permite respirar em cima d'água. As melodias, cantigas, ideias, histórias e tantas estórias que passeiam pelo ouvido. Os mil sabores que esta vida loucamente criativa concebe e a língua me presenteia trazendo pra dentro de mim. As texturas, os arrepios, os gozos que me perpassam a pele, o tato. Os cheiros  que atraem e repelem, levam e trazem a tantos lugares, presentes, lembrados ou imaginados.

É nesse corpo que habito e é nele que posso transcender em busca de ser quem sou. Por isso aqui e agora digo de novo: me amar passa por amar meu corpo, minha presença neste mundo. E essa é uma verdade autêntica e temporária como tudo na vida.

Ah, esta imagem linda é da Midori Yamada