segunda-feira, 4 de maio de 2020

À beira

Minha canoa virada na maré cheia espera calada a trilha d’água que a lua alumeia.
Enquanto os grilos parolam, a solidão que busco entre burburinhos dói em semente empedrada no peito. Em canção que não lembro e não esqueço. Marulha nos lençóis sanguíneos desta carne de lenha.
Entre os canais de linfa navego esta sede que não cessa, esse mar desértico que não seca, esse rosto que se mostra-esconde dentre as névoas de um sonho candente.
Espero apesar da desesperança cansada, dessa bandeira desfraldada, desse mar salgado pelas lágrimas de quem ficou à beira. 


Texto: Tamara Castro.
Foto: Canoa Guató à beira da baía Uberaba, Ilha Ínsua, Terra Indígena Guató. Suki Oxaki, 2006. Povos Indígenas do Brasil.

Nenhum comentário: