Beira
A escadaria
que a enxurrada
lava
nada tem
de Bonfim
A acre urina e os gritos
ambulantes
ensinam a nova
memória
Ladeira
Sem rumo
sem sina
esquecem-se
as bandeiras ao largo
orgulhoso
No dorso adormecido
a menina memória
aos passos apressados
recolhe sua história
***
Estética
Renego
em ódio que remorde a massa amorfa
substantivos-peitos
adjetivos-bundas
vírgulas-curvas-de-academia
rimas de estímulo ao joelho que mais alto se alevanta
ritmos batestaquestep
No vão espelho de mim
o olho aval avesso
em nervos expostos
ossos músculos tesos
tíbia nua tarso metatarso
retorcido
na métrica quebrada
desejo que morre
na linha que não
decola
desova
no beco
guichê de perdidos
não achados
***
Bebop
Martelo nos ouvidos
anfíbia, estranha
entranha?
Na cidade que não dorme
mergulha em
poço
mas
vão esforço
da miopia
é a lua que escapa e
esbarra
no asfalto liso
– livre de crespas rebeldias –
da Paulista refeita
concreto
e nata
***
a música quente
ferve a chaleira
esquecida ao canto
Entanto
na entrelinha azul da
cantiga
encontro a sílaba
perdida
entredentes tímida
o assimétrico sibilo
da plateia ao embate
do piano
esquecida ao canto
chia a chaleira seca
rasca a garganta
***
Telemarketing
Menina obediente
atende o telefone
aos domingos.
Domingo
dormindo nas dormentes o resto
do sábado
atira-se na ponte do
Pinheiros
e o escândalo da segunda:
tão novo
o carro.
a horas
atende o telefone
que não toca.
Teatro municipal
à chuva fina fria
desejo vento e fonte
claro sol em sombra verde
canto marlui mirante no caos
ao largo viaduto
do chá marulhos de um
Anhanga-
baú submerso
sombras de outrora cores
giram difusas
madames em xales de seda e ócio
derretem à garoa já tempestade
águas represadas
invadem em multidão a cidade que não
pára
classificados
no paredão pichado
procuram pessoa sem
experiência
de quê? ao lado
os olhos oblíquos sobre a flauta
arrecadam sons andinos à esquiva
esquina do municipal
e o som que me segue à praça da
república sucumbe a ofertas
de melodia
meio-dia
***
Moto contínuo
Um homem levanta um braço
seguro à barra que abranda
o solavanco diário
a pancada suave e seca
a cordial e civilizada forma com que as Horas
esquartejam o dia
o ano
a vida
Salvo à luz que esquadrinha
a epiderme e imprime
rugas à face imóvel
o homem entrega-se ao motor que o embala no grande sonho
***
Centenário
Shigeo de Hiroshima
veio pra Pompeia
lavrar café e fazer de feijão
amai, manju, sete
filhos, 16 netos
Shigeo monge zen bebia
saquê não, cachaça,
pinga em São Paulo,
birita para os íntimos
e gostava de carne-seca
e amendoim bem torrado
No Japão sonhava ser
antropólogo
Do Brasil que o fez
doceiro dizia:
melhor país do mundo
e sentia a brisa de café
que amorna o ar e o
hálito da manhã
***
Chafariz
Porém eu vi no chão suja e calcada
A transparente anêmona dos dias.
Sophia de Mello
São Paulo devia ter
mar São Paulo devia
canta iara bela
à beira da fonte
da sé que a fé
refrata
desbaralhando breus caminhos
com o pente dos dedos longos negros
unhas feitas a dente
a menina se mira musgo e mijo
nas esmeraldas
que em canto doce
odoyá
arredondam as retas
sem beirais
da gótica catedral
***
Alfândega
O menino que Jesus comprou
e levou de avião com promessas
altas
brilhantes
dorme
à espera no âmago
estômago
em pó
branquinho
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