sexta-feira, 6 de março de 2009

Entre as estações



Não creio nos espectros que passam pelo meu. Hão de ser lenda, mito, platônicas miragens. Os passos, sim, são reais, ouço-os estalar sobre o asfalto, ruído surdo absorto em buzinas e gritos descarnados vendendo ficção. Vida, a prazo, a cada passo.
Outros passos me passam, ultrapassam, estacionam ao meu lado. Sons agudos de saltos sobre o piso frio, séculos marmóreos condensados em instantes de vidro e labor industrial. Alguns soam aveludados como andar de gato à espreita. Seguem-nos um cheiro redondo de café.
Meus passos me levam ao vagão e num relance entre as estações os olhos invadem meu reflexo na janela escurecida. Quem é o espectro que me fita? O breve instante, devorado pela velocidade, não permite a revelação. A cada chegada e partida novos olhares se revelam na noite iluminada das janelas. E passam. Ao redor resquícios de conversas ecoam vozes já mortas, vindas de bocas que não se abrem sob olhos que não vêem.
Apenas os passos são reais. Não há nada a levar, somente o som que não cessa. Levam-me à escada rolante e o clarão da rua ofusca os olhos repletos de luz artificial. De ouvido busco a trilha das antigas pisadas. Mas a chuva lavou os sons e os rastros. Nas poças chapinham pés de pato que perderam o senso da migração. Só lhes resta o pisar desengonçado de quem não nasceu para o chão.

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